Num quarto escuro
um poeta trabalha duro
num papel branco vai desenhando o futuro
obscuro destino asfixiado pela agonia
o seu filho pequeno, coitado sofre de epilepsia
atolado em fármacos nem vê a luz pura do dia a dia
a atenção que deita às aulas é cada vez mais diminuta
o cérebro já não responde ao apelo da luta
a sua mulher faleceu quando a medula vacilou
a paz que reinava no lar depressa e sem pensar abalou
o dinheiro que entra não chega para fazer cobro às necessidades
já passou o tempo em que a sua vida era feita de vastas tonalidades
agora só o preto e branco colorem certas banalidades
stress acumulado transforma-se em raiva, desespero e loucura
o Pai era já um vulto daquele rapaz risonho que vivia na pura
sem cura para tal maleita escondia-se atrás dos versos
cada vez mais iguais e cada vez menos especiais e controversos
as drogas bateram a porta como o repto doce duma sereia
nele fazem miséria e prendem a sua alma numa vil teia
haxixe,cocaína, heroína que esconde a cobardia de quem a toma
impensável fim para quem ousou viver uma rotina fora das normas
agora neste quarto só resta cinza, canetas gastas e papeis esborratados
os cadáveres de pai e filho estão numa morgue sadicamente armazenados
sobra a alma titubeante e precária que chora lágrimas de ácido
resquícios dos químicos que tornaram o seu encéfalo flácido
uma vela ténue, uma corrente de ar, madeira que range, sombrio
é triste quando algo tão magnífico como uma família acaba ao frio
sem apoios, esquecida, derrotada, viciada, destruída e acabada
quando a escuridão nos cerca, a nossa hipótese fica muito limitada
um forte abraço a todos que vivem diariamente na luta por uma vida melhor
ao frio, à fome, sem sustento ou suporte, sonhando com comida e calor
quando nem a poesia pode fazer levitar o espírito
é porque o nosso destino é mórbido e cínico...
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